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Cidadania, Direitos e Desigualdades UFABC/ Ana Dietrich
quarta-feira, 9 de dezembro de 2015
NOTAS e FALTAS
https://drive.google.com/file/d/0B4r9FyvS_wcPRVMtRU1oWUU5bTA/view?usp=sharing
Análise fílmica do documentário - Terra para Rose
Resumo:
O presente artigo
tem por objetivo propor uma analise do polêmico filme Terra para rose dirigido
por Tetê Moraes. Procuramos nos atentar aos diversos meandros da fonte fílmica
(direção, roteiro, elementos técnicos, personagens principais e etc.) em busca
de conexões com aspectos relativos às discussões feitas em sala de aula e
levando em conta a linguagem cinematográfica. Para isso, esboçaremos uma
análise histórica e cinematográfica do filme Terra para Rose, atentando para a
conjuntura de sua produção e a construção de sua narrativa focada na figura de
uma mulher: Rose.
Palavras-chave: Cinema e História, cidadania, direitos e
desigualdades.
Figura 1: Rose com seu filho que nasceu no acampamento
O filme:
curiosidades, elementos fílmicos e premiações
O documentário Terra para Rose foi dirigido pela cineasta
Tetê Moraes. No que diz respeito à parte técnica, roteiro e texto, tem a
assinatura de José Joffily e Tetê Moraes e a fotografia foi feita por Walter
Carvalho e Fernando Duarte. A película é um longa-metragem com duração de 84
minutos e é pertencente ao gênero documentário. Sua filmagem foi iniciada e
terminada no ano de 1987 (em apenas seis meses). Trata-se de um filme que
contou com pouquíssimo apoio financeiro.
Além dessas
informações iniciais, é importante apontar que o filme ganhou doze prêmios em
festivais de cinema nacionais e internacionais (destaque para os seis prêmios
no Festival de Brasília e dois no Festival de Havana) e que dez anos mais
tarde, em 1996, Tetê Moraes voltou à região para fazer O Sonho de Rose. No
entanto, não foi um filme “acolhido” pelo grande circuito cinematográfico da
época, estando restrito a espaços culturais mais alternativos e a um público
específico — os interessados em problemáticas sociais da época.
Partindo de uma
história verídica de Rose, uma agricultora sem-terra, a proposta do
documentário é retratar o caso específico da ocupação por 1.500 famílias de
sem-terras da fazenda Annoni, localizada no estado do Rio Grande do Sul. Neste
contexto, é enfatizado o início de atuação de um dos mais importantes
movimentos sociais do Brasil ainda hoje, o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST).
Nesse cenário, a
diretora tenta entrecruzar uma discussão macro (nacional) associada a uma
discussão cotidiana dos indivíduos que participaram de uma ocupação específica
(a da Fazenda Annoni). Tal abordagem de costurar a uma problemática ampla a
tramas aparentemente banais que envolvem pessoas comuns foi muito utilizada
neste período de abertura política e tem como intuito dar valor ao ponto de
vista e às experiências da vida cotidiana de personagens comuns dando
importância aos seus discursos para construção de um registro histórico mais
amplo.
Podemos também
refletir sobre o sentido político da escolha da diretora ao escolher sua
protagonista. Tetê Moraes tinha um projeto de filmar o cotidiano de mulheres
brasileiras. Isto nos demonstra que a diretora se inquietava com as questões de
gênero e atribuímos a esta inquietação o fato de ter optado por uma ênfase no
cotidiano feminino e pela escolha para uma mulher “protagonizar” o filme.
A escolha de Rose para “protagonizar” o filme representa
um aspecto simbólico, uma vez que Rose deu à luz em 1985 à primeira criança
nascida no acampamento da fazenda Annoni, Marcos Tiaraju, criança retratada em
diversos momentos do filme como um símbolo de vida e de esperança. Além disso,
de acordo com o olhar da diretora, Rose, além de ser uma mulher, participativa
efetivamente no movimento e nos protestos.
A luta social do
MST pela reforma agrária no documentário O Sonho de Rose
Seguiremos os conselhos de Marc Ferro ao nos incentivar a
“Partir da Imagem”, mas não deixar de fazer uso de outros saberes, sempre que
necessário, para enriquecer e aprofundar o estudo minucioso do filme. Além
disso, para realizar de forma lúdica esta análise, dividiremos a observação em
sub tópicos (os quais sintetizam o tema histórico a ser abordado em cada fase),
correspondentes à própria “organização” do filme, marcados pelas seguintes
separações: A promessa; A pressão; A espera; O confronto; O Sonho; A Trégua.
Logo, faremos a análise buscando levantar as principais problemáticas abordadas
em cada um dos “quadros narrativos”.
Logo no início, mostra-se
a imagem de uma população rural pobre, que se manifesta com um pedido de paz –
o aglomerado de pessoas inclui Rose, que leva nome ao título da obra. Em
contraste, a narração seguinte, acerca da concentração agrária e suas disputas
sociais, é feita simultânea à filmagem do Congresso, enfatizando o papel
simbólico exercido pelas instituições políticas como palco de disputas pela
questão agrária. São
citados números que descrevem a sanguinária batalha camponesa por terra e o
intenso êxodo rural em um país onde o latifúndio improdutivo permeia as
paisagens.
No subtítulo "A
promessa", a imagem de discursos de presidentes como José Sarney (1985 -
1990) e João Goulart (1961 - 1964) corrobora uma promessa historicamente não
cumprida acerca da execução de uma reforma agrária. A narrativa de um projeto
de governo no sentido de tornar o país socialmente mais justo, como ocorreu sob
a gestão de João Goulart, é acompanhada por uma filmagem descritiva da situação
da população brasileira. A narrativa otimista sobre este período é interrompida
por uma descrição obscura sobre o golpe militar em 1964 - episódio que
interrompeu todo o sentido progressista do mandato de “Jango”, inclusive o
projeto de reforma agrária.
Fazendo uma análise histórica
sobre essa questão, José Murilo de Carvalho em “Cidadania no Brasil” afirma que
“a conquista (do território brasileiro pelos portugueses) teve conotação
comercial. A colonização foi um empreendimento do governo colonial aliado a
particulares. A atividade que melhor se prestou à finalidade lucrativa foi a
produção de açúcar (mercadoria com crescente mercado na Europa). Partindo dessa
premissa, podemos levar em consideração que a posse de grandes latifúndios por
grandes proprietários de terra que investem em monoculturas para um volume alto
de comercialização externa, se faz tão presente nos dias atuais no Brasil por
uma lógica que teve início desde a sua colonização.
Com isso, essas instituições
econômicas exclusivas (latifúndio monocultor concentrado na mão de poucos)
deixaram os trabalhadores do campo submetidos ao arbítrio dos proprietários sem
gozo dos direitos civis, políticos e sociais. Nesse contexto, eles são
obrigados a se emerger da obscuridade e se organizar em movimentos sociais e
sindicatos rurais acoplados a um movimento nacional de esquerda.
Em "A pressão", o foco do filme torna-se
o estado do Rio Grande do Sul - o subtítulo é introduzido pelo enfoque gradual
da filmagem sobre o RS em um mapa político do Brasil. A filmagem de uma das
fazendas simbólicas da luta pela terra, fazenda Annoni, acompanha a narrativa
de sua história - um latifúndio improdutivo desapropriado pelo Governo em 1972
com o intuito de reassentar famílias de agricultores sem-terra sobre o local. A
fazenda foi desapropriada, porém, devido à pressão jurídica de proprietários
rurais, permaneceu vazia - nas imagens, um local imenso e inabitado e a
ausência de vida ou movimento ilustram este resultado.
Em 1985, o local foi apropriado por famílias de
pequenos proprietários. A luta passa a ser representada pelo filme através da
sucessão de duas entrevistas, uma interrompida pela outra. De um lado, o
reacionarismo do proprietário Bolívar Annoni ao ser perguntado sobre a
apropriação de suas terras; do outro, a fala de Rose relata as difíceis
condições de vida dos pequenos proprietários rurais engrandece a "causa"
da luta e da ocupação do latifúndio improdutivo.
Este “jogo de cena” é interessante para observarmos
claramente como podemos aplicar um dos métodos propostos por Marc Ferro, isto
é, realizar uma análise crítica da fonte do cinema. Nesse momento do filme, não
nos resta dúvida de que contrapõe um discurso de hesitação e inércia social a
um discurso de afirmação e convicção — o que foi construído na montagem, com o
intuito de dar legitimidade ao discurso dos sem-terra e a dimensão da luta que
era cravada no campo naquele momento, e de suas motivações políticas e sociais.
A pressão não era exercida
apenas juridicamente pelos latifundiários, mas também através de manifestações
por parte dos pequenos agricultores sem-terra. Desse modo, o filme coloca foco
em pessoas comuns que participaram do movimento para dar caráter
"pessoal" e enfatizar as causas do movimento. Nesse sentido, a ânsia
da população por uma reforma agrária prometida politicamente é representada
pelo discurso de Rose, que é seguido pela fala de Dante Oliveira sobre a
dificuldade em cumprir a meta colocada pelo projeto de Governo.
Em “A espera”, o filme narra
a união de deputados gaúchos aos manifestantes em uma tentativa de marcar
audiências em Brasília para tratar o problema. Já nas cenas das reuniões são enfatizadas pelo
documentário as diferenças estereotípicas entre os distintos segmentos sociais:
close no vestuário e calçados dos sem terra (roupas simples, velhas e sandálias
de dedo) e dos políticos (paletós e sapatos).
Os manifestantes acampam na
Assembleia Legislativa a espera de resultados. A fala de Dante Oliveira, na
representação do processo político democrático que inclui a luta pela terra,
explica as complexidades envolvidas em desapropriar latifúndios por parte do
Governo – esse discurso jurídico em nome da democracia se contrasta com a
urgência prática da miséria vivida pelas famílias de agricultores sem-terra,
uma verdadeira contradição dentro da democracia brasileira. Paralelo a este, se
mostra a fala de Bolívar Annoni, marcada pela incoerência da defesa de suas
ideias – isto revela a própria incoerência da alta concentração fundiária
brasileira.
“O confronto” consiste em imagens que descrevem
o fim do período de espera sem resultados - os manifestantes retornam às poucas
terras desapropriadas pelo Governo com o objetivo de cultivar. O cultivo foi,
por inúmeras vezes, barrado pelas forças do Estado por ser considerado ilegal.
Trava-se um conflito violento e opressor por parte Estado – as imagens do filme
corroboram a guerra instituída.
Dessa forma, o filme traz à
tona um debate importante acerca da luta contra a criminalização dos movimentos
sociais, e mais especificamente, da luta pela terra. Traçando uma linha
estreita entre Direitos Humanos e direito a terra, pode-se dizer que o filme
explicita a má vontade por parte do Estado em ver o campesinato como cidadãos
dignos, e mais que isso, a desumanização. Isso fica evidente nas cenas em que
ocorrem violências e agressões por parte de Policiais Militares, que seguem
ordem do Estado, em prol de manter o meio de dominação dos grandes
latifundiários.
Constantemente se coloca sem
terras como criminosos, quando decidem ocupar fazendas improdutivas e muitas
vezes esquecidas pelos donos, ignorando propositalmente a Função Social da
Propriedade. Maria Benevides explica essa questão mais a finco. Para ela essa
ação do Estado é voluntária, ou seja, há interesses poderosos por trás dessa
associação deturpadora.
No mesmo texto, “Cidadania e
Direitos Humanos”, Benevides ainda é assertiva na questão das falsas
associações: “As classes populares são geralmente vistas como “classes
perigosas”. São ameaçadoras pela feiura da miséria, são ameaçadoras pelo grande
número, pelo medo atávico das “massas”. Assim, de certa maneira, parece
necessário às classes dominantes criminalizar as classes populares associando-as
ao banditismo, à violência e à criminalidade.
Por
fim, o subtítulo “O sonho” revela o depoimento de famílias que presenciaram um desfecho
inicial da luta que, para apenas dez das seiscentas famílias que protestaram,
resultou em assentamentos e uma porção de terra para cultivo. Mais tarde, o
Estado repassa a fazenda Annoni ao Incra e indeniza o proprietário. Os
ocupantes da fazenda conseguem, finalmente, cultivar. Ainda assim, grande parte
da população rural permanece sem sua porção de terra.
Em
1986, a formulação de uma nova constituição nacional guardava esperanças
políticas de uma nova interpretação acerca do direito sobre a terra. Desta vez,
depoimentos de políticos acerca da reforma agrária são mostrados de forma otimista,
alheia à guerra que até então ocorria. Estas imagens contrastam com a narrativa
pessimista que encerra o filme, que revela, na verdade, um desfecho
inexistente. A espera por uma porção de terra para cultivar parece permanente
para grande parte daqueles que lutaram e permanecem lutando. O fim trágico de
Rose e outros companheiros de luta encerram a descrição da sanguinária e
desproporcional guerra travada entre o Estado, proprietários e a população
rural e pobre.
Figura 2: Testemunho da ação da
polícia
Cenário:
Por ser um documentário, Terra para Rose
explora ambientes reais e circunstâncias documentadas em vídeo. A narrativa
aborda duas regiões do Brasil: Brasília e Rio Grande do Sul, ambas na década de
80, no período de retorno à democracia.
Em Brasília, o Palácio da Alvorada é
evidenciado repetidas vezes na intenção de explorar a ideia de burocracia que o
local representa e de ambiente onde pautas nacionais importantes, como a da
reforma agrária, são discutidas. Há a intenção do diretor de enfatizar que as
decisões que impactariam a vida de milhares que lutam por reformas no campo são
tomadas na cidade, por pessoas que não são as protagonistas da luta, mas que
possuem altos cargos (ministro, por exemplo) e, assim, a legitimidade para
tomar decisões.
No Rio Grande do Sul, três cenários são
abordados: a fazenda Annoni, a casa do latifundiário Carlos Annoni e o trajeto
de 500 km percorridos por centenas de sem-terra da fazenda até Porto Alegre. A
fazenda Annoni é o “principal” cenário do filme, pois foi ocupada por mais de
1500 famílias e onde foi montado o acampamento dos sem-terra.
Vários elementos que representam o
campesinato e a vida sem luxo são destacados, como centenas de barracos de
madeira e lona preta, onde os sem-terra “moravam”; fogão de lenha; animais,
como gado e galinhas; lavadeiras no rio e crianças brincando. Em contraponto, a
casa do latifundiário e proprietário da fazenda ocupada representa o conforto e
luxo, um ambiente bem iluminado, com um sofá confortável onde o Carlos Annoni
concede a entrevista.
Iluminação:
O documentário apresenta um contraste
evidente de iluminação. Quando a cena envolve o proprietário da fazenda ou um
ambiente político e formal, há muita luz, pois isso dá um caráter mais luxuoso.
Ao retratar os camponeses sem-terra, há uma diminuição considerável de luz,
para criar um clima mais pesado e de sofrimento.
Figura 3: Integrantes do acampamento
no dia-a-dia
Som:
Para trazer uma sensação de comoção e
solidariedade à questão por parte do telespectador, a trilha sonora do filme é
marcada por músicas instrumentais, muitas vezes apenas acordes de viola e
violão, que remete à moda de viola trazendo também uma proximidade com a
realidade daqueles camponeses retratados durante toda a narrativa.
Em
momentos em que se retratam as marchas e manifestações dos camponeses sem
terra, músicas que remetem ao triunfalismo e a noção de solidariedade são
escolhidas, já em momentos em que são retratadas as questões burocráticas que
envolviam a ineficiência das políticas em prol da reforma agrária, sons que
remetem ao nacionalismo se destacam.
Outro aspecto sonoro marcante, é que se opta
por deixar as músicas e cânticos que os próprios camponeses cantavam, trazendo
uma proximidade do espectador com a causa. Neste sentido, a escolha da
sonoplastia está em harmonia com o objetivo do filme de reforçar a noção de
solidariedade presente entre os membros do MST (movimento dos sem-terra).
Constantemente também nos deparamos com
músicas de cunho religioso, e isso acontece pela influência que a Igreja
Católica, por meio da Teologia da Libertação, teve no que diz respeito à luta
por direitos humanos desde o enfrentamento contra a ditadura. Além de
evidenciar essa parceria, mostra o quanto os trabalhadores rurais se apegam
emocionalmente a uma imagem divina de justiça, que colocaria fim aquele
sofrimento, e dessa forma tornando a luta menos pesada para eles.
Cortes
de cenas e câmeras:
Os cortes de cena não são rápidos, mas
naturais, mais uma vez pra que o espectador se sinta inserido naquela
realidade. Os cortes mais rápidos se dão quando há contraste de ideias, por
exemplo, quando o documentário vai e volta entre a fala de rose e a fala do
proprietário da Annoni, justamente pra causar essa sensação de tensão existente
entre os latifundiários e os camponeses.
No mais, quando se trata da retratação dos
trabalhadores rurais e suas rotinas, há câmeras expandidas, pra que se possa
visualizar todo o acampamento, focalizando vez ou outra em atividades mais
marcantes, como a interatividade das crianças no entorno do trabalho do campo. Já
quando são mostrados relatos das trabalhadoras a câmera se foca, em boa parte,
no rosto das mesmas, mais uma vez aproximando o público da luta delas.
Enredo:
De forma geral, as cenas do filme transitam
entre o cotidiano do acampamento da Fazenda Annoni e entrevistas com os
sem-terra; com o proprietário da Fazenda Annoni e ministros, deputados, padres,
intelectuais e artistas. Além disso, mostra cenas televisivas, passeatas, a
notoriedade midiática e a solidariedade por parte da população.
Neste
âmbito, consideramos que o documentário apresenta um importante diálogo entre
as opiniões divergentes do movimento dos acampados na fazenda, colocando em
cena os discursos de autoridades e do dono da fazenda. Ao contrapor estas
entrevistas, o filme direciona o nosso olhar de forma tendenciosa, na medida em
que mostra os depoimentos dos sem-terra sempre de forma engajada enquanto as
cenas mostradas do fazendeiro são inexpressivas e demostram sensação de
insegurança (como se o fazendeiro não tivesse argumentos ou estivesse nervoso). Assim, o documentário confere legitimidade ao
discurso dos sem-terra através das estratégias de edição e montagem.
Considerações finais:
Sabendo das
“manipulações” elaboradas pelos filmes para transmitir mensagens, concluímos, de
acordo com o filme Terra para Rose, que a “personagem” Rose, enquanto
protagonista, supre um papel simbólico e ativo no filme. Rose foi destacada no
decorrer do documentário como uma mulher ativa, forte, alegre e disposta a
conseguir o seu pequeno-amplo objetivo, ainda que não tenha visto seu sonho se
concretizar.
Enquanto
mulher, símbolo de fertilidade em si, a figura de Rose apresenta-se, enquanto
personagem, como uma alternativa fílmica de registrar, de forma sensível e
delicada, um problema caro ao país, a reforma agrária. Por fim, não nos resta
dúvida de que a imagem de Rose, enquanto símbolo foi “imortalizada” como
registro e memória de um indivíduo, dentre tantos outros, que persistiu até a
morte para concretizar o sonho de viver de forma digna, com acesso a bens
públicos.
Referências Bibliográficas
FERRO, Marc. O filme. Uma contra análise da sociedade. In: LE GOFF. J. e NORA, P.
História: novos objetos. Trad. T. Marinho.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no
Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio
de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
BENEVIDES, Maria. “Cidadania
e Direitos Humanos”. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados da
Universidade de São Paulo, 2015.
Análise Fímica de Carandiru
Link Google Drives:
https://drive.google.com/file/d/0B4r9FyvS_wcPbW5OZGJNdFNvbFU/view?usp=sharing
Link do Filme:
https://www.youtube.com/watch?v=Jo2k2Vi9mxE
https://drive.google.com/file/d/0B4r9FyvS_wcPbW5OZGJNdFNvbFU/view?usp=sharing
Link do Filme:
https://www.youtube.com/watch?v=Jo2k2Vi9mxE
Leitura do filme Chove Sobre Santiago à luz da discussão sobre cidadania e direitos humanos
Dirigido
por Helvio Soto, cineasta chileno que foi exilado após o golpe de Estado
ocorrido no Chile em 11 de setembro de 1973, o filme Chove Sobre Santiago é de
1975, e relata justamente os acontecimentos do dia do golpe, os quais são
intercalados com cenas ocorridas nos anos anteriores ao golpe, desde quando
Salvador Allende vence as eleições presidenciais em 1970 e dá-se início a um
plano para prejudicar seu governo que culmina no golpe. O filme tem seu final
no enterro do poeta chileno Pablo Neruda, o qual apoiava o governo da Unidade
Popular e faleceu em 23 de setembro de 1973, pouquíssimos dias depois do golpe.
Precisamente, o filme foi proibido de ser exibido no Chile pelo regime militar.
A
coalizão Unidade Popular, a qual era representada por Allende, apesar de
assumir o poder em 1970 e conseguir implementar mudanças significativas no
país, sofre com as sucessivas tentativas realizadas para fragilizar seu
governo, facilitadas pelo fato de que boa parte do alto escalão do Estado
chileno continuou o mesmo do governo de Eduardo Frei, que governou o Chile de
1964 a 1970 quando Allende que vence as eleições contra Jorge Alessandri,
candidato que era do partido de Frei. O governo de Frei também tinha apoio
norte-americano, o qual foi decisivo nesse processo de fragilização do governo
de Allende e no golpe de 1973.
O
país que inicialmente, com o governo de Allende, vê mudanças importantes para a
construção da democracia, passa a assistir a um processo de sucessivos boicotes
motivados pelos interesses norte-americanos, do empresariado estrangeiro e da
burguesia chilena. Retira-se o fornecimento de itens básicos para a vida da
população, como por exemplo o leite, conforme é mostrado no filme, com o
intuito de comprometer a imagem do governo de Allende diante da população, e
essa estratégia consegue dar resultados. A situação que se instaura com o fim
do fornecimento de bens importantes para a população, do estímulo à realização
de diversas greves pelo país e outras tentativas de boicote, nos leva a notar
que ocorre um retrocesso no que diz respeito a ideia de cidadania, sobretudo,
nesse caso, no que se refere aos direitos sociais, que tratam do direito de ter
participação na riqueza coletiva.
Percebe-se
nessa influência internacional, não apenas dos norte-americanos, mas também das
outras ditaduras já instauradas na América Latina no período, aquilo que foi
abordado por Carvalho (2002) como sendo uma crise do Estado-nação, que seria
ocasionada, entre outras coisas, pela internacionalização do sistema
capitalista, a qual é cada vez mais acelerada por conta dos avanços
tecnológicos, e isso acaba resultando numa redução do poder dos Estados, que
agora sofrem a interferência dos outros, afetando fortemente a natureza dos
direitos já existentes assim como o processo de criação, ou não, de novos
direitos, sobretudo no que diz respeitos aos direitos políticos e sociais,
conforme é apontado pelo autor, lembrando que a construção da cidadania está
intimamente relacionada a forma como as pessoas se relacionam com o Estado e
com a nação, sendo que o ideal para a cidadania é que exista uma relação
positiva das pessoas com o Estado e a nação, pois as pessoas se tornam cidadãs,
dentro da noção de cidadania como nós a conhecemos, à medida em que passam a se
sentir parte de uma nação e de um Estado.
Sobre
isso merece destaque outra observação feita por Carvalho (2002), que é a noção
de que a identificação com a nação pode ser mais forte do que a lealdade ao
Estado. Isso é visto claramente no filme na cena em que milhares de chilenos
estão presos no Estádio Nacional vendo os militares agredindo alguns dos que
contestam suas atitudes. Os chilenos presos, em certa altura, começam a cantar
um hino que expressa a lealdade deles para com a nação chilena, em um momento
no qual se veem numa situação em que o Estado se mostra como algo completamente
estranho à ideia de nação. Essa situação, segundo Carvalho, se explicaria pelo
fato de que a identidade com a nação, se deve a fatores como religião, língua e
lutas e guerras contra inimigos comuns, enquanto que a lealdade ao Estado
dependeria do grau de participação na vida política, participação esta que já
se via completamente impossibilitada para o povo chileno no dia 11 de setembro
de 1973.
Da
constatação de que não haviam mais direitos políticos para os chilenos, chegamos
a outro problema: conforme Carvalho (2002), se não tem direitos políticos, não
existem direitos civis, os quais englobam as liberdades individuais como a
liberdade de opinião e organização, e sobretudo o direito à vida. Isso quer
dizer que a conquista de melhorias significativas em prol da construção da
democracia pela qual o Chile vinha passando, foi seguida por uma supressão de
direitos e garantias, um imenso retrocesso no que diz respeito a cidadania do
povo chileno, visto que os 3 tipos de direitos necessários para a cidadania se
encontravam profundamente comprometidos.
Para
além dessas observações, percebe-se claramente um total desrespeito aos
direitos humanos, pois, conforme o observado por Benevides (2015), ainda que as
pessoas de um país não tenham seus direitos de cidadania respeitados, visto que
a cidadania trata dos direitos e deveres que se circunscrevem nos limites de um
Estado-nação, elas ainda possuem direitos humanos fundamentais, pois estes são
universais e naturais, ou seja, não dependem da realidade específica de um
país, e com isso, portanto, se estendem a todos os seres humanos. Isso se dá
porque os direitos humanos se referem à pessoa humana independentemente das
características físicas, culturais, da classe social, da nacionalidade, dos
direitos de cidadania contemplados no país em que cada um vive, e até mesmo da
personalidade que cada ser humano possa ter. Logo, em vista desses direitos
fundamentais, nenhum ser humano pode ser torturado, humilhado cruelmente ou ter
sua vida tirada por outros, pois o núcleo dos direitos humanos é o direito à
vida. Além disso, também é direito fundamental de todo ser humano o de ser
julgado imparcialmente e poder defender-se judicialmente. Nota-se que todos
esses direitos estavam severamente desrespeitados no golpe, visto que os
militares julgavam arbitrariamente aqueles que os contestavam e com um total
desrespeito à vida dessas pessoas. Benevides (2015) ainda nos leva a refletir
sobre o fato de que havia o consentimento dos países vizinhos ao Chile, dos
quais muitos já se encontravam em ditaduras, e dos norte-americanos, com as
violações aos direitos fundamentais cometidos no Chile, sendo que o que deveria
se esperar desses Estados na verdade é que eles interferissem no Chile em prol do respeito aos direitos humanos, pois, dado
que os direitos humanos são universais e naturais, eles superam as fronteiras jurídicas e a soberania dos
Estados, e, no entanto, o que se observava no Chile eram que os interesses, sobretudo
econômicos e políticos, estavam colocados acima do respeito aos direitos
humanos.
Também
vale mencionar o que diz Ruiz (2009), o qual aponta que apesar de ser difícil
falar acerca do horror e sofrimento gerados pelos períodos de repressão
ocorridos na história humana, notadamente no século XX, é imprescindível que
eles sejam narrados pelas testemunhas, por mais que a narração delas tenha um
viés pessoal e não consiga passar integralmente toda a barbárie que elas
testemunharam. Esse processo de narrar os acontecimentos, quando aplicado ao
caso específico do filme analisado, se mostra importante para permitir que as
gerações chilenas tenham o direito à memória respeitado, isto é, o direito de
saber o que aconteceu, e ao mesmo tempo o dever de memória, que é o dever de
lembrar e passar adiante esses acontecimentos para que as próximas gerações
também se indignem com as injustiças que foram cometidas e não permitam que as
atrocidades ocorridas no período militar chileno sejam repetidas, pois aqueles
que ouvem a narração, segundo Ruiz (2009), se convertem em testemunhas também.
Esse resgate e disseminação da memória não significa que o passado será
totalmente resolvido, mas permite tirá-lo da indiferença e do esquecimento ao
atualizar as questões dele decorrentes, muitas das quais ainda apresentam seus
desdobramentos nos dias atuais. Nas palavras do autor:
[...] É importante que os fatos sejam narrados pelas
testemunhas, ainda que o testemunho nunca faça jus ao que aconteceu, pois é na
precisão de vários acontecimentos que não foram contados e que se amontoam nas
ruínas da história que se poderá sentir o sopro do que não tem expressão. [...]
Assim, apesar da impossibilidade de narrar [os acontecimentos integralmente], o
pior pesadelo para quem testemunha e vive o sofrimento é não poder contá-lo
para ninguém, é correr o risco de que ninguém tome conhecimento do suplício
sofrido e a injustiça se perpetue na ignorância e em um silêncio vazio, ausente
de intérpretes que possam lhe dar sentido. (RUIZ, 2009, p.134)
Fazer
com que as pessoas tomem conhecimento do que aconteceu no golpe de Estado de
1973 do Chile parece ser exatamente o que o diretor Helvio Soto procura ao
produzir o filme, pois notadamente a película traz muito da visão de Soto
acerca do golpe e representa uma lembrança ainda muito viva na mente do
diretor, dado que ele foi exilado por conta do golpe e produziu o filme
pouquíssimo tempo depois do mesmo. Desse
modo, fica evidente que o filme também apresenta um forte caráter de
documentário, pois foca muito mais em retratar fatos que realmente ocorreram,
ainda que pelo viés da visão de Helvio Soto, do que em contar uma história
fictícia. Neste sentido o recurso cinematográfico se mostra de grande
relevância, pois de acordo com o próprio Ruiz (2009), “[...] o essencial do
sofrimento não pode ser falado, pois é feito de silêncios” (p.139), de modo que
aquele que assiste consegue captar com maior realismo a situação que se
apresentava ao povo chileno, mas nunca, é claro, integralmente como aqueles que
viveram e tiveram a experiência.
Helvio
Soto seria, desse modo, conforme a interpretação de Ruiz (2009) uma testemunha,
pois ele recupera uma parte da realidade da História chilena que poderia ficar
perdida no passado se ninguém fizesse nada. A fala de uma das personagens ao
final do filme, na cena do velório do poeta chileno Pablo Neruda, evidencia a
intenção do diretor ao produzir o filme: “ninguém pode testemunhar sem
memória”, o que torna claro que ele tinha a intenção de manter um dos episódios
mais marcantes da História chilena vivo e eternizado na memória do seu povo,
permitindo que as novas gerações conheçam seu passado. Ao mesmo tempo, também
se nota o propósito de, de algum modo, tentar resgatar a dignidade humana dos
que foram excluídos e vencidos, e fazer justiça àqueles que foram vítimas do
golpe, e também àqueles que ainda seriam vítimas da ditadura, dado que, ao
final do filme, ela, que se tornaria
uma das mais violentas ditaduras latino-americanas, ainda estava apenas
começando.
Análise de elementos
cinematográficos e iconografia
Iluminação
O filme emula a iluminação ambiente, sendo que a utilização
de iluminação artificial serve para realçar a iluminação natural, tentando
trazer um caráter documental ao filme, se utilizando da iluminação disponível,
e assim, trazendo uma maior realidade ao mesmo. Este tipo de iluminação perdura
por toda a película.
Sonografia
O filme tem sua trilha sonora assinada por Astor Piazzolla, que basicamente
pode ser dividida em dois momentos distintos, no que se refere a linha de
temporalidade que vai de 1970 até 1973, a trilha sonora aparece em meio as
reuniões daqueles que apoiavam Allende, e permeia os discursos dos mesmos,
reforçando o tom de esperança que eles possuíam. Já em um segundo momento, quando
Allende é morto no dia do golpe, a trilha sonora assume um tom de tristeza,
reforçando o caráter dramático que o final do filme tenta passar ao público.
Logo, torna-se claro no filme, que as músicas estão
associadas a reuniões de pessoas, seja em momentos de contentamento ou não.
Percebe-se que por vezes temos a figura dos cantores, e não somente a sua voz.
Isso reforça que o sentimento anunciado na música é mesmo que reside nos
cantores e demais personagens presentes. Um exemplo disto é o coro daqueles que
afirmam que Neruda, Allende e o povo chileno estarão presentes agora e sempre,
acompanhado pela música de Piazzola, na cena do enterro de Neruda. Assim vemos
a unidade encontrada no povo, os personagens mostram que, apesar de tudo que
aconteceu, o povo Chileno iria continuar na luta pela liberdade com
determinação e vontade.
Pode-se ouvir, em algumas cenas, o tic-tac do relógio que
permeia o som de fundo, mostrando que o tempo está passando. Isso ocorre
principalmente nas cenas em que algum personagem precisa tomar decisões, e
também deixam claro que o golpe se aproxima, atribuindo caráter de urgência.
Enredo
A história
é contada em terceira pessoa e através da câmera (um observador ideal) o
espectador vê as ações que estão ocorrendo em lugares e temporalidades
distintos. O filme, amparado por este recurso, conta com duas linhas de
temporalidade que se intercalam no desenvolvimento da história, uma delas trata
dos acontecimentos do dia 11 de setembro de 1973, o dia do golpe, e a outra
trata do momento em que Allende vence as eleições em 1970, até o dia em que o
golpe é realizado, mostrando a arquitetação do golpe, com os boicotes
econômicos e manobras políticas que levaram a tal acontecimento. Existe uma
preocupação clara em fazer com que o espectador consiga entender sem
dificuldade o momento em que fatos estão ocorrendo e ao mesmo tempo mantendo
uma certa ordem cronológica entre os acontecimentos, para tanto é utilizado o
um recurso de movimento de câmera, o enquadramento, que focaliza relógios e
calendários. Estes indicam os horários do dia do golpe, temporalizam a ação e
informam o espectador.
Cortes de Cenas
Os cortes de cena procuram conectar situações, como no caso
do final de uma cena em que um personagem começa a fechar uma gaveta, e
imediatamente, antes dele terminar de fechar a gaveta, dá-se início uma nova
cena com um personagem terminando de fechar uma gaveta em outro lugar ou a cena
em que um senhor escuta uma rádio e arruma a sintonia do rádio em seu carro, e
imediatamente, antes que ele termine de fazer isso, uma nova cena, com uma
mulher arrumando o rádio em casa, dá continuidade a trama. Em geral, as cenas
deste filme são articuladas de modo a mostrar uma relação entre os
acontecimentos mostrados.
Movimentos de Câmera
A obra utiliza em uma das primeiras cenas do recurso do
movimento dentro do quadro, os objetos de cena que são os carros de guerra são
filmados de frente enquanto se movimentam e enchem a tela. Isso resulta na
impressão de eles iriam passar por cima do espectador e de tudo que a ele se
opusesse, preenchendo a tela.
Por vezes a câmera se desloca lateralmente num movimento
panorâmico à procura do personagem. O diretor usou desta estratégia para
informar e enfatizar a ideologia do personagem retratado, mostrando por
diversas vezes, neste movimento, fotografias de Allende, Che Guevara, Karl
Marx, e demais líderes da esquerda. No entanto, há uma curiosa cena em que a
câmera percorre uma parede com fotos eróticas sugerindo um vazio ideológico dos
personagens (empresários do Chile). O movimento de câmera evidencia e
contextualização a ação, como fez ao mostrar o símbolo ITT (empresa de
telefonia norte-americana que liderou um grupo empresarial na busca pela
desestabilização econômica do Chile).
Percebe-se também que a câmera focaliza janelas no decorrer
do filme, mostrando civis observando através delas, denotando uma situação de
falta de liberdade de expressão e opinião, visto que os personagens parecem
apreensivos.
Iconografia
O poético título parece tentar esconder as tensões da
guerra. Isso vai de encontro com a fachada de normalidade característica da
ditadura, ao mesmo tempo em que denuncia o autor do golpe, pois apesar de não
ser explicitado no filme, este era o nome da operação arquitetada pelas forças
reacionárias do Chile que culminou com o golpe de Estado de 1973.
O filme faz questão de retratar o presidente Salvador
Allende real. Para tanto, é usado fotografias e até mesmo uma película com
depoimento do presidente discursando em seu idioma, o espanhol. Isso reforça
ideia do filme em manter-se próximo a esfera do real, inserindo sempre que
possível, elementos desta esfera mesmo sob condição de interrupção da sua
linearidade, ou seja, de um filme produzido em língua francesa permite-se
inserir a língua originaria do personagem. Ainda nessa linha de tentar manter a
imagem real de Allende, nota-se que o ator que o interpreta nunca tem seu rosto
completamente mostrado, o que também indica o propósito de preservar a imagem
real do presidente, visto que os acontecimentos ainda eram muito recentes e
também demonstra o intuito do diretor de retratar o presidente como um misto de
mártir e herói se tratando da história chilena. A cena da invasão do Palácio de
La Moneda, que mostra o assassinato é de suma importância, por refutar a ideia
de suicídio transmitida como causa morte do então presidente.
O filme retrata de forma simbólica e sutil o ganho e perda
de direitos. Em 1971 durante a celebração da conquista da oferta de leite às
crianças, o ministro das finanças dá uma vaquinha (bibelô) para ela em garantia
do seu direito ao leite. Em 1973 o pai,
que é presidente da fábrica, tira o bibelô da criança simbolizando que esta não
terá mais direito ao leite devido ao golpe que está prestes a se consumar. A
criança quando perde seus direitos, simbolizados pelo objeto se entristece. E
por fim, percebe-se que de 1971 a 1973 as reuniões da esquerda ocupam lugares
menores, isso denuncia declínio da esquerda, frente a ascensão da direita.
Referências
BENEVIDES, M. V. “Cidadania e
Direitos Humanos”. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados da Universidade de
São Paulo, 2015.
CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2002.
RUIZ, C. B. Justiça e Memória: para uma crítica ética da violência. São
Leopoldo: Unisinos: 2009.
CHOVE sobre Santiago. Direção:
Hélvio Soto. Produção: Film Marquise - França; Studios de Long Metrage -
Bulgária, 1975. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=gi4KFRCBDkM>.
Acesso em 30/11/2015.
ANÁLISE FÍLMICA: “PRA FRENTE, BRASIL (Brasil: dir. Roberto Farias, 1982)
ENREDO
No
filme, Jofre (Reginaldo Faria), ao dividir um táxi com um militante de
esquerda, é tido como "subversivo" pelos órgãos de repressão. É preso
e submetido a inúmeras sessões de tortura, por torturadores operantes à margem
do Estado, financiados por um grupo de empresários inescrupulosos.
Miguel
(Antônio Fagundes) e Marta (Natalia do Valle) tentam encontrá-lo através dos
meios legais, mas se deparam com a relutância da polícia em investigar o
desaparecimento. Com o telefone grampeado, Miguel recebe Mariana (Elizabeth
Savalla) em casa, ferida após um fracassado assalto a banco. É quando ele fica
sabendo da atuação de um grupo de repressão política patrocinado por
empresários; as investigações de Miguel prosseguem e levam ao grupo de
empresários em que atua seu próprio patrão.
Figure 1. Comemoração do Pelé após gol realizado na Copa do Mundo de 1970
ANÁLISE
FÍLMICA
“Pra frente, Brasil”
foi interditado pela censura sob a alínea D do artigo 41 da Lei 20.943, de
1946, que previa "interdição quando a obra for capaz de provocar
incitamento contra o regime vigente, a ordem pública, as autoridades e seus
agentes". A exibição foi liberada por instância superior e sem cortes,
estreando em 1983; foi uma das primeiras películas a retratar a repressão da
ditadura militar brasileira (1964–1985) de forma aberta. É um filme simples e
direto, que chama atenção para as torturas nos “anos de chumbo", mostra
que o despertar para os acontecimentos pode acontecer repeninamente.
Assemelha-se a um documentário, um lembrete de que não podemos esquecer a
ditadura.
O filme aborda
justamente os sequestros efetuados pelo governo para exterminar possíveis
movimentos subversivos e/ou comunistas. Já na primeira cena temos violência
imposta por um grupo de torturadores; também é possível notar a falta de
envolvimento político dos personagens.
Em
1970, na época dos anos de chumbo e do dito "milagre econômico", o
Brasil vibra com a Seleção Brasileira de Futebol na Copa do Mundo e, enquanto
isso, prisioneiros políticos são torturados por agentes da repressão oficial,
fazendo pessoas inocentes de vítima também. O futebol aparece em Pra frente Brasil como um elemento
importante, tanto que o início de um
novo interrogatório a Jofre é interrompido por causa de uma partida: o Brasil
vai jogar e, qualquer tarefa, mesmo de grande relevância, pode esperar os
noventa minutos de um jogo que simboliza o sucesso da pátria verde e amarela. A
Copa paralisa atividades para que o brasileiro se veja como um vencedor após os
90 minutos.
Dentro de um cenário de repressões, censuras e controle das mídias,
pouco se sabia sobre as torturas realizadas com o comando do militarismo. Os
“anos de chumbo” ganhavam uma cortina blindada através da publicidade enganosa
de crescimento econômico e país de sucesso criada pelo governo. Imagem que era
atrelada à seleção brasileira de futebol, que vivia sua grande fase com a
chance do tricampeonato; o slogan “Brasil: ame-o ou deixe-o”, exemplificava
isso.
Figure 2. Cena de tortura conhecida como
"Cadeira Elétrica" durante a Ditatura Militar
ILUMINAÇÃO
No
filme, temos:
- cenas escuras: quando o
Jofre é torturado, iluminação escura para ressaltar a dramaticidade.
- geralmente as cenas
externas são à luz do dia.
- luz clara: ressaltando a
felicidade, como por exemplo na cena final em que o Brasil é campeão.
SONOGRAFIA
A
sonografia do filme é instrumental, com as seguintes sensações:
- romantismo: quando Miguel
e Mariana se reencontram e ela pergunta se pode ficar em sua casa.
- esperança: quando Marta vê
que os filhos estão bem, mesmo sabendo
que a polícia foi à casa dela; quando Jofre pensa que escapou dos torturadores.
- suspense: quando Mariana e
um companheiro, após uma tentativa de sequestro frustrado em que ela foi
baleada, veem um corpo e depois se encaminham à casa do Miguel.
- ação: cenas de tiroteio.
- desolação: no final,
quando Mariana morre temos uma música de tristeza; o interessante, é o
contraste com a imagens da seleção ao conseguir o tricampeonato.
Figure 3. Discussão entre Miguel e Marta.
CORTES
DE CENAS
No
começo do filme, temos um travelling, com câmeras fazendo imagem panorâmica no
intuito de mostrar a paisagem.
É
usado o close, como por exemplo quando os personagens estão vendo o jogo do
Brasil: isso mostra a emoção que eles estão sentindo.
O
corte meio plano americano, no qual o enquadramento é feito da cintura para
cima, presentes em cenas de diálogo.
Em
cenas de violência o corte é abrupto, para demostrar quanto a própria cena é
violenta.
A
maioria das cenas tem o ritmo rápido, com diálogos mais curtos: isso é
interessante para contar várias pontos de vista e em cenas de ação.
AUTORES
RELACIONADOS
É
difícil esperar que existam direitos para os cidadãos durante uma ditadura,
muito mais difícil acreditar que seus direitos humanos sejam respeitados. Sem
que haja democracia, está implícito que não existe cidadania, justiça, respeito
aos direitos humanos e, consequentemente, a paz. Esses conceitos permanecem
interligados e interdependentes (BENEVIDES, Maria).
No filme
vemos retratados todos esses aspectos: ausência de democracia, de respeito aos
direitos humanos - a Jofre e comunistas da época -, de justiça - por não
considerarem criminosos os torturadores - e, finalmente, da paz. O desrespeito
aos Direitos Humanos durante os "anos de chumbo" trouxeram
consequências fatais a milhares de pessoas inocentes e àqueles ligados a vida
política da época; essa dívida não foi sanada até os dias atuais, agravando o
cenário para os defensores de DH, invisibilizando todo o trabalho de garantir
direitos fundamentais, como a vida, à presos políticos da ditadura e o direito
a julgamento (justiça) até mesmo daquela classe média que usou de tortura
durante a ditadura. ae sendo retratados como defensores de presos comuns. E o
fim das necessidades dessa mesma classe média acabaram por deturpar, na mídia,
a motivação dos defensores de DH.
Segundo
Solon, a questão dos direitos humanos é ligada à memória. As pessoas que foram
torturadas e desapareceram, tem esse direito violado. Nosso período de sombras
foi a ditadura. No filme “Pra frente, Brasil, o contexto geral para população
não era tratar a ditadura como algo ruim e repressivo, na verdade o clima era
de festejo. Devido ao “Milagre Brasileiro” e à propaganda oficial, a maior
parte acreditava em bons indicadores econômicos (inflação e desemprego baixos,
crescimento econômico). A falta de um direito afeta todos os outros. No período
em que se passa o filme, tínhamos censura e falta de liberdade, e mesmo que
todos os outros direitos fossem atendidos, a falta de um significa a
não-cidadania.
Figure 4. Cena de tiroteio ao ar livre.
Repressão na Ditadura Militar.
BIBLIOGRAFIA
BENEVIDES,
Maria. “Cidadania e Direitos Humanos”,
VIOLA, Solon
Eduardo Annes. “Entre silêncios e esquecimentos: a supressão do Estado de
Direito durante o regime militar”
https://pt.wikipedia.org/wiki/Pra_frente,_Brasil
sexta-feira, 4 de dezembro de 2015
O que é cidadania, direitos e desigualdades?
Segundo Maria Benevides, a cidadania está atrelada a noção de direitos e deveres previstos em um corpo jurídico-político (a constituição), que define quem pode ser considerado cidadão, quais os direitos e deveres do mesmo, quais direitos civis, políticos e sociais são assegurados e etc. Desse modo, a noção de cidadania está atrelada a um corpo político, pode mudar ao longo do tempo e varia de país para país. Crianças e deficientes mentais geralmente não são considerados cidadãos por não estarem aptos a exercer sua cidadania.
Já
igualdade é um conceito bastante amplo, mas de forma geral é a busca de criar
um tratamento isonômico entre todos os cidadãos, levando em consideração suas
diferenças, com o intuito de dar um tratamento especial aos menos privilegiados
e oprimidos e criar uma sociedade mais equânime. Ademais, o conceito é multidimensional
e pode ser usado para se referir a igualdade formal, a igualdade social,
política, econômica e etc.
Nesse
contexto, em detrimento da igualdade existe o seu contrário – a desigualdade.
Ela está atrelada a noção de que as diferenças de ordem sensível (física,
gênero, cor e etc.) geram relações de poder que não são isonômicas, equânimes e
justas, graças ao tratamento não igualitário e inadequado dado aos diferentes. Criam-se,
então, abismos que devem se corrigidos pela busca da igualdade.
Por
fim, o conceito de diferença está relacionado a pluralidade de formas
sensíveis, as distinções de cor, raça, etnia, físicas, gênero e etc. que não
necessariamente geram desigualdades. Desse modo, deve-se levar em conta que a
desigualdade e diferença são conceitos distintos e que não devem ser
confundidos.
Bruno Martins
Estudante de Bacharelado em Ciências e Humanidades da UFABC
O conceito de cidadania durante o Período Colonial Brasileiro e a Ditadura Militar
No período
colonial, segundo José Murilo de Carvalho, a cidadania era praticamente
inexistente. Os direitos políticos eram muito reduzidos, o voto era censitário,
os analfabetos (90% da população) não podiam votar, os direitos civis não eram
assegurados, não havia consciência cidadã, o acesso a educação era extremamente
limitado e não existiam direitos sociais.
Além disso, os
escravos eram tratados como objetos e mercadorias e não possuíam nenhum tipo de
direito, as mulheres eram excluídas do processo político e até mesmo os
indivíduos das classes privilegiadas não podiam ser considerados cidadãos, uma
vez que não havia divisão entre o setor público e privado, não havia igualdade
formal perante a lei e estado de direito consolidado, os direitos civis não
eram assegurados e a justiça era ao mesmo tempo pública e privada.
Desse modo,
nesse período não se construiu uma noção de cidadania e a extrema desigualdade
social aliada a uma grande concentração de poder e a presença de instituições
políticas e econômicas (escravismo e latifúndio monocultor) exclusivas,
extrativas e antidemocráticas praticamente eliminaram qualquer possibilidade de
formação de um Estado liberal democrático que assegurasse o direito à
cidadania.
Já no período da
ditadura militar há um retrocesso na questão da cidadania em relação aos
governos anteriores. Através doas atos institucionais, explicados no material
audiovisual sobre o tema, os direitos vivis e políticos chegam ao ponto de
serem totalmente cassados através do AI-5, há um grande desrespeitos aos
direitos humanos, direitos civis básicos como respeito à integridade física e
habeas corpus são totalmente desrespeitados e surge uma cultura patrocinada
pelo governo militar de associação entre direitos humanos e direitos de “bandido”,
segundo Maria Benevides.
Entretanto,
nesse cenário assombroso, os direitos sociais são ampliados como forma de dar
legitimidade ao regime. São criados os fundos rurais, os trabalhadores do campo
ganham uma série de benefícios e é criado o INSS (instituto nacional de
previdência social).
Dessa forma,
pode-se dizer que tais períodos prejudicaram muito à formação de uma cidadania
ativa, completa e multidimensional, a formação de uma luta pelos cidadãos e de
uma consciência e educação sobre a questão da cidadania. Ademais, deixaram
vestígios até os dias atuais através da propagação de uma cultura popular
deslegitimadora da cidadania ativa completa.
Bruno Martins
Estudante de Bacharelado em Ciências e Humanidades da UFABC
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