quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

NOTAS e FALTAS



Veja as notas e as faltas no Link abaixo:
https://drive.google.com/file/d/0B4r9FyvS_wcPRVMtRU1oWUU5bTA/view?usp=sharing



HOJE!!! (09/12): Vista de Provas
Sala dos professores 374 - Bloco Delta
A partir das 19 horas

Análise fílmica do documentário - Terra para Rose


Resumo:
O presente artigo tem por objetivo propor uma analise do polêmico filme Terra para rose dirigido por Tetê Moraes. Procuramos nos atentar aos diversos meandros da fonte fílmica (direção, roteiro, elementos técnicos, personagens principais e etc.) em busca de conexões com aspectos relativos às discussões feitas em sala de aula e levando em conta a linguagem cinematográfica. Para isso, esboçaremos uma análise histórica e cinematográfica do filme Terra para Rose, atentando para a conjuntura de sua produção e a construção de sua narrativa focada na figura de uma mulher: Rose.
Palavras-chave: Cinema e História, cidadania, direitos e desigualdades.

Figura 1: Rose com seu filho que nasceu no acampamento

O filme: curiosidades, elementos fílmicos e premiações

O documentário Terra para Rose foi dirigido pela cineasta Tetê Moraes. No que diz respeito à parte técnica, roteiro e texto, tem a assinatura de José Joffily e Tetê Moraes e a fotografia foi feita por Walter Carvalho e Fernando Duarte. A película é um longa-metragem com duração de 84 minutos e é pertencente ao gênero documentário. Sua filmagem foi iniciada e terminada no ano de 1987 (em apenas seis meses). Trata-se de um filme que contou com pouquíssimo apoio financeiro.
Além dessas informações iniciais, é importante apontar que o filme ganhou doze prêmios em festivais de cinema nacionais e internacionais (destaque para os seis prêmios no Festival de Brasília e dois no Festival de Havana) e que dez anos mais tarde, em 1996, Tetê Moraes voltou à região para fazer O Sonho de Rose. No entanto, não foi um filme “acolhido” pelo grande circuito cinematográfico da época, estando restrito a espaços culturais mais alternativos e a um público específico — os interessados em problemáticas sociais da época.
Partindo de uma história verídica de Rose, uma agricultora sem-terra, a proposta do documentário é retratar o caso específico da ocupação por 1.500 famílias de sem-terras da fazenda Annoni, localizada no estado do Rio Grande do Sul. Neste contexto, é enfatizado o início de atuação de um dos mais importantes movimentos sociais do Brasil ainda hoje, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Nesse cenário, a diretora tenta entrecruzar uma discussão macro (nacional) associada a uma discussão cotidiana dos indivíduos que participaram de uma ocupação específica (a da Fazenda Annoni). Tal abordagem de costurar a uma problemática ampla a tramas aparentemente banais que envolvem pessoas comuns foi muito utilizada neste período de abertura política e tem como intuito dar valor ao ponto de vista e às experiências da vida cotidiana de personagens comuns dando importância aos seus discursos para construção de um registro histórico mais amplo.
Podemos também refletir sobre o sentido político da escolha da diretora ao escolher sua protagonista. Tetê Moraes tinha um projeto de filmar o cotidiano de mulheres brasileiras. Isto nos demonstra que a diretora se inquietava com as questões de gênero e atribuímos a esta inquietação o fato de ter optado por uma ênfase no cotidiano feminino e pela escolha para uma mulher “protagonizar” o filme.
A escolha de Rose para “protagonizar” o filme representa um aspecto simbólico, uma vez que Rose deu à luz em 1985 à primeira criança nascida no acampamento da fazenda Annoni, Marcos Tiaraju, criança retratada em diversos momentos do filme como um símbolo de vida e de esperança. Além disso, de acordo com o olhar da diretora, Rose, além de ser uma mulher, participativa efetivamente no movimento e nos protestos.

A luta social do MST pela reforma agrária no documentário O Sonho de Rose

Seguiremos os conselhos de Marc Ferro ao nos incentivar a “Partir da Imagem”, mas não deixar de fazer uso de outros saberes, sempre que necessário, para enriquecer e aprofundar o estudo minucioso do filme. Além disso, para realizar de forma lúdica esta análise, dividiremos a observação em sub tópicos (os quais sintetizam o tema histórico a ser abordado em cada fase), correspondentes à própria “organização” do filme, marcados pelas seguintes separações: A promessa; A pressão; A espera; O confronto; O Sonho; A Trégua. Logo, faremos a análise buscando levantar as principais problemáticas abordadas em cada um dos “quadros narrativos”.

Logo no início, mostra-se a imagem de uma população rural pobre, que se manifesta com um pedido de paz – o aglomerado de pessoas inclui Rose, que leva nome ao título da obra. Em contraste, a narração seguinte, acerca da concentração agrária e suas disputas sociais, é feita simultânea à filmagem do Congresso, enfatizando o papel simbólico exercido pelas instituições políticas como palco de disputas pela questão agrária. São citados números que descrevem a sanguinária batalha camponesa por terra e o intenso êxodo rural em um país onde o latifúndio improdutivo permeia as paisagens.
No subtítulo "A promessa", a imagem de discursos de presidentes como José Sarney (1985 - 1990) e João Goulart (1961 - 1964) corrobora uma promessa historicamente não cumprida acerca da execução de uma reforma agrária. A narrativa de um projeto de governo no sentido de tornar o país socialmente mais justo, como ocorreu sob a gestão de João Goulart, é acompanhada por uma filmagem descritiva da situação da população brasileira. A narrativa otimista sobre este período é interrompida por uma descrição obscura sobre o golpe militar em 1964 - episódio que interrompeu todo o sentido progressista do mandato de “Jango”, inclusive o projeto de reforma agrária.
Fazendo uma análise histórica sobre essa questão, José Murilo de Carvalho em “Cidadania no Brasil” afirma que “a conquista (do território brasileiro pelos portugueses) teve conotação comercial. A colonização foi um empreendimento do governo colonial aliado a particulares. A atividade que melhor se prestou à finalidade lucrativa foi a produção de açúcar (mercadoria com crescente mercado na Europa). Partindo dessa premissa, podemos levar em consideração que a posse de grandes latifúndios por grandes proprietários de terra que investem em monoculturas para um volume alto de comercialização externa, se faz tão presente nos dias atuais no Brasil por uma lógica que teve início desde a sua colonização.
Com isso, essas instituições econômicas exclusivas (latifúndio monocultor concentrado na mão de poucos) deixaram os trabalhadores do campo submetidos ao arbítrio dos proprietários sem gozo dos direitos civis, políticos e sociais. Nesse contexto, eles são obrigados a se emerger da obscuridade e se organizar em movimentos sociais e sindicatos rurais acoplados a um movimento nacional de esquerda.
Em "A pressão", o foco do filme torna-se o estado do Rio Grande do Sul - o subtítulo é introduzido pelo enfoque gradual da filmagem sobre o RS em um mapa político do Brasil. A filmagem de uma das fazendas simbólicas da luta pela terra, fazenda Annoni, acompanha a narrativa de sua história - um latifúndio improdutivo desapropriado pelo Governo em 1972 com o intuito de reassentar famílias de agricultores sem-terra sobre o local. A fazenda foi desapropriada, porém, devido à pressão jurídica de proprietários rurais, permaneceu vazia - nas imagens, um local imenso e inabitado e a ausência de vida ou movimento ilustram este resultado.
Em 1985, o local foi apropriado por famílias de pequenos proprietários. A luta passa a ser representada pelo filme através da sucessão de duas entrevistas, uma interrompida pela outra. De um lado, o reacionarismo do proprietário Bolívar Annoni ao ser perguntado sobre a apropriação de suas terras; do outro, a fala de Rose relata as difíceis condições de vida dos pequenos proprietários rurais engrandece a "causa" da luta e da ocupação do latifúndio improdutivo.
Este “jogo de cena” é interessante para observarmos claramente como podemos aplicar um dos métodos propostos por Marc Ferro, isto é, realizar uma análise crítica da fonte do cinema. Nesse momento do filme, não nos resta dúvida de que contrapõe um discurso de hesitação e inércia social a um discurso de afirmação e convicção — o que foi construído na montagem, com o intuito de dar legitimidade ao discurso dos sem-terra e a dimensão da luta que era cravada no campo naquele momento, e de suas motivações políticas e sociais.
A pressão não era exercida apenas juridicamente pelos latifundiários, mas também através de manifestações por parte dos pequenos agricultores sem-terra. Desse modo, o filme coloca foco em pessoas comuns que participaram do movimento para dar caráter "pessoal" e enfatizar as causas do movimento. Nesse sentido, a ânsia da população por uma reforma agrária prometida politicamente é representada pelo discurso de Rose, que é seguido pela fala de Dante Oliveira sobre a dificuldade em cumprir a meta colocada pelo projeto de Governo.
Em “A espera”, o filme narra a união de deputados gaúchos aos manifestantes em uma tentativa de marcar audiências em Brasília para tratar o problema.  Já nas cenas das reuniões são enfatizadas pelo documentário as diferenças estereotípicas entre os distintos segmentos sociais: close no vestuário e calçados dos sem terra (roupas simples, velhas e sandálias de dedo) e dos políticos (paletós e sapatos).
Os manifestantes acampam na Assembleia Legislativa a espera de resultados. A fala de Dante Oliveira, na representação do processo político democrático que inclui a luta pela terra, explica as complexidades envolvidas em desapropriar latifúndios por parte do Governo – esse discurso jurídico em nome da democracia se contrasta com a urgência prática da miséria vivida pelas famílias de agricultores sem-terra, uma verdadeira contradição dentro da democracia brasileira. Paralelo a este, se mostra a fala de Bolívar Annoni, marcada pela incoerência da defesa de suas ideias – isto revela a própria incoerência da alta concentração fundiária brasileira.
 “O confronto” consiste em imagens que descrevem o fim do período de espera sem resultados - os manifestantes retornam às poucas terras desapropriadas pelo Governo com o objetivo de cultivar. O cultivo foi, por inúmeras vezes, barrado pelas forças do Estado por ser considerado ilegal. Trava-se um conflito violento e opressor por parte Estado – as imagens do filme corroboram a guerra instituída.
Dessa forma, o filme traz à tona um debate importante acerca da luta contra a criminalização dos movimentos sociais, e mais especificamente, da luta pela terra. Traçando uma linha estreita entre Direitos Humanos e direito a terra, pode-se dizer que o filme explicita a má vontade por parte do Estado em ver o campesinato como cidadãos dignos, e mais que isso, a desumanização. Isso fica evidente nas cenas em que ocorrem violências e agressões por parte de Policiais Militares, que seguem ordem do Estado, em prol de manter o meio de dominação dos grandes latifundiários.
Constantemente se coloca sem terras como criminosos, quando decidem ocupar fazendas improdutivas e muitas vezes esquecidas pelos donos, ignorando propositalmente a Função Social da Propriedade. Maria Benevides explica essa questão mais a finco. Para ela essa ação do Estado é voluntária, ou seja, há interesses poderosos por trás dessa associação deturpadora.
No mesmo texto, “Cidadania e Direitos Humanos”, Benevides ainda é assertiva na questão das falsas associações: “As classes populares são geralmente vistas como “classes perigosas”. São ameaçadoras pela feiura da miséria, são ameaçadoras pelo grande número, pelo medo atávico das “massas”. Assim, de certa maneira, parece necessário às classes dominantes criminalizar as classes populares associando-as ao banditismo, à violência e à criminalidade.
 Por fim, o subtítulo “O sonho” revela o depoimento de famílias que presenciaram um desfecho inicial da luta que, para apenas dez das seiscentas famílias que protestaram, resultou em assentamentos e uma porção de terra para cultivo. Mais tarde, o Estado repassa a fazenda Annoni ao Incra e indeniza o proprietário. Os ocupantes da fazenda conseguem, finalmente, cultivar. Ainda assim, grande parte da população rural permanece sem sua porção de terra.
Em 1986, a formulação de uma nova constituição nacional guardava esperanças políticas de uma nova interpretação acerca do direito sobre a terra. Desta vez, depoimentos de políticos acerca da reforma agrária são mostrados de forma otimista, alheia à guerra que até então ocorria. Estas imagens contrastam com a narrativa pessimista que encerra o filme, que revela, na verdade, um desfecho inexistente. A espera por uma porção de terra para cultivar parece permanente para grande parte daqueles que lutaram e permanecem lutando. O fim trágico de Rose e outros companheiros de luta encerram a descrição da sanguinária e desproporcional guerra travada entre o Estado, proprietários e a população rural e pobre.

Figura 2: Testemunho da ação da polícia

Cenário:
Por ser um documentário, Terra para Rose explora ambientes reais e circunstâncias documentadas em vídeo. A narrativa aborda duas regiões do Brasil: Brasília e Rio Grande do Sul, ambas na década de 80, no período de retorno à democracia.
Em Brasília, o Palácio da Alvorada é evidenciado repetidas vezes na intenção de explorar a ideia de burocracia que o local representa e de ambiente onde pautas nacionais importantes, como a da reforma agrária, são discutidas. Há a intenção do diretor de enfatizar que as decisões que impactariam a vida de milhares que lutam por reformas no campo são tomadas na cidade, por pessoas que não são as protagonistas da luta, mas que possuem altos cargos (ministro, por exemplo) e, assim, a legitimidade para tomar decisões.
No Rio Grande do Sul, três cenários são abordados: a fazenda Annoni, a casa do latifundiário Carlos Annoni e o trajeto de 500 km percorridos por centenas de sem-terra da fazenda até Porto Alegre. A fazenda Annoni é o “principal” cenário do filme, pois foi ocupada por mais de 1500 famílias e onde foi montado o acampamento dos sem-terra.
Vários elementos que representam o campesinato e a vida sem luxo são destacados, como centenas de barracos de madeira e lona preta, onde os sem-terra “moravam”; fogão de lenha; animais, como gado e galinhas; lavadeiras no rio e crianças brincando. Em contraponto, a casa do latifundiário e proprietário da fazenda ocupada representa o conforto e luxo, um ambiente bem iluminado, com um sofá confortável onde o Carlos Annoni concede a entrevista.

Iluminação:
O documentário apresenta um contraste evidente de iluminação. Quando a cena envolve o proprietário da fazenda ou um ambiente político e formal, há muita luz, pois isso dá um caráter mais luxuoso. Ao retratar os camponeses sem-terra, há uma diminuição considerável de luz, para criar um clima mais pesado e de sofrimento.

Figura 3: Integrantes do acampamento no dia-a-dia

Som:
Para trazer uma sensação de comoção e solidariedade à questão por parte do telespectador, a trilha sonora do filme é marcada por músicas instrumentais, muitas vezes apenas acordes de viola e violão, que remete à moda de viola trazendo também uma proximidade com a realidade daqueles camponeses retratados durante toda a narrativa.
 Em momentos em que se retratam as marchas e manifestações dos camponeses sem terra, músicas que remetem ao triunfalismo e a noção de solidariedade são escolhidas, já em momentos em que são retratadas as questões burocráticas que envolviam a ineficiência das políticas em prol da reforma agrária, sons que remetem ao nacionalismo se destacam.
Outro aspecto sonoro marcante, é que se opta por deixar as músicas e cânticos que os próprios camponeses cantavam, trazendo uma proximidade do espectador com a causa. Neste sentido, a escolha da sonoplastia está em harmonia com o objetivo do filme de reforçar a noção de solidariedade presente entre os membros do MST (movimento dos sem-terra).
 Constantemente também nos deparamos com músicas de cunho religioso, e isso acontece pela influência que a Igreja Católica, por meio da Teologia da Libertação, teve no que diz respeito à luta por direitos humanos desde o enfrentamento contra a ditadura. Além de evidenciar essa parceria, mostra o quanto os trabalhadores rurais se apegam emocionalmente a uma imagem divina de justiça, que colocaria fim aquele sofrimento, e dessa forma tornando a luta menos pesada para eles.

Cortes de cenas e câmeras:
Os cortes de cena não são rápidos, mas naturais, mais uma vez pra que o espectador se sinta inserido naquela realidade. Os cortes mais rápidos se dão quando há contraste de ideias, por exemplo, quando o documentário vai e volta entre a fala de rose e a fala do proprietário da Annoni, justamente pra causar essa sensação de tensão existente entre os latifundiários e os camponeses.
No mais, quando se trata da retratação dos trabalhadores rurais e suas rotinas, há câmeras expandidas, pra que se possa visualizar todo o acampamento, focalizando vez ou outra em atividades mais marcantes, como a interatividade das crianças no entorno do trabalho do campo. Já quando são mostrados relatos das trabalhadoras a câmera se foca, em boa parte, no rosto das mesmas, mais uma vez aproximando o público da luta delas.

Enredo:
De forma geral, as cenas do filme transitam entre o cotidiano do acampamento da Fazenda Annoni e entrevistas com os sem-terra; com o proprietário da Fazenda Annoni e ministros, deputados, padres, intelectuais e artistas. Além disso, mostra cenas televisivas, passeatas, a notoriedade midiática e a solidariedade por parte da população.
Neste âmbito, consideramos que o documentário apresenta um importante diálogo entre as opiniões divergentes do movimento dos acampados na fazenda, colocando em cena os discursos de autoridades e do dono da fazenda. Ao contrapor estas entrevistas, o filme direciona o nosso olhar de forma tendenciosa, na medida em que mostra os depoimentos dos sem-terra sempre de forma engajada enquanto as cenas mostradas do fazendeiro são inexpressivas e demostram sensação de insegurança (como se o fazendeiro não tivesse argumentos ou estivesse nervoso).  Assim, o documentário confere legitimidade ao discurso dos sem-terra através das estratégias de edição e montagem.

Considerações finais:
 Sabendo das “manipulações” elaboradas pelos filmes para transmitir mensagens, concluímos, de acordo com o filme Terra para Rose, que a “personagem” Rose, enquanto protagonista, supre um papel simbólico e ativo no filme. Rose foi destacada no decorrer do documentário como uma mulher ativa, forte, alegre e disposta a conseguir o seu pequeno-amplo objetivo, ainda que não tenha visto seu sonho se concretizar.
Enquanto mulher, símbolo de fertilidade em si, a figura de Rose apresenta-se, enquanto personagem, como uma alternativa fílmica de registrar, de forma sensível e delicada, um problema caro ao país, a reforma agrária. Por fim, não nos resta dúvida de que a imagem de Rose, enquanto símbolo foi “imortalizada” como registro e memória de um indivíduo, dentre tantos outros, que persistiu até a morte para concretizar o sonho de viver de forma digna, com acesso a bens públicos.

 Referências Bibliográficas

FERRO, Marc. O filme. Uma contra análise da sociedade. In: LE GOFF. J. e NORA, P.
História: novos objetos. Trad. T. Marinho. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
BENEVIDES, Maria. “Cidadania e Direitos Humanos”. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, 2015.

Análise Fímica de Carandiru

Link Google Drives:
https://drive.google.com/file/d/0B4r9FyvS_wcPbW5OZGJNdFNvbFU/view?usp=sharing

Link do Filme:
https://www.youtube.com/watch?v=Jo2k2Vi9mxE


Leitura do filme Chove Sobre Santiago à luz da discussão sobre cidadania e direitos humanos



Dirigido por Helvio Soto, cineasta chileno que foi exilado após o golpe de Estado ocorrido no Chile em 11 de setembro de 1973, o filme Chove Sobre Santiago é de 1975, e relata justamente os acontecimentos do dia do golpe, os quais são intercalados com cenas ocorridas nos anos anteriores ao golpe, desde quando Salvador Allende vence as eleições presidenciais em 1970 e dá-se início a um plano para prejudicar seu governo que culmina no golpe. O filme tem seu final no enterro do poeta chileno Pablo Neruda, o qual apoiava o governo da Unidade Popular e faleceu em 23 de setembro de 1973, pouquíssimos dias depois do golpe. Precisamente, o filme foi proibido de ser exibido no Chile pelo regime militar.
A coalizão Unidade Popular, a qual era representada por Allende, apesar de assumir o poder em 1970 e conseguir implementar mudanças significativas no país, sofre com as sucessivas tentativas realizadas para fragilizar seu governo, facilitadas pelo fato de que boa parte do alto escalão do Estado chileno continuou o mesmo do governo de Eduardo Frei, que governou o Chile de 1964 a 1970 quando Allende que vence as eleições contra Jorge Alessandri, candidato que era do partido de Frei. O governo de Frei também tinha apoio norte-americano, o qual foi decisivo nesse processo de fragilização do governo de Allende e no golpe de 1973.
O país que inicialmente, com o governo de Allende, vê mudanças importantes para a construção da democracia, passa a assistir a um processo de sucessivos boicotes motivados pelos interesses norte-americanos, do empresariado estrangeiro e da burguesia chilena. Retira-se o fornecimento de itens básicos para a vida da população, como por exemplo o leite, conforme é mostrado no filme, com o intuito de comprometer a imagem do governo de Allende diante da população, e essa estratégia consegue dar resultados. A situação que se instaura com o fim do fornecimento de bens importantes para a população, do estímulo à realização de diversas greves pelo país e outras tentativas de boicote, nos leva a notar que ocorre um retrocesso no que diz respeito a ideia de cidadania, sobretudo, nesse caso, no que se refere aos direitos sociais, que tratam do direito de ter participação na riqueza coletiva.
Percebe-se nessa influência internacional, não apenas dos norte-americanos, mas também das outras ditaduras já instauradas na América Latina no período, aquilo que foi abordado por Carvalho (2002) como sendo uma crise do Estado-nação, que seria ocasionada, entre outras coisas, pela internacionalização do sistema capitalista, a qual é cada vez mais acelerada por conta dos avanços tecnológicos, e isso acaba resultando numa redução do poder dos Estados, que agora sofrem a interferência dos outros, afetando fortemente a natureza dos direitos já existentes assim como o processo de criação, ou não, de novos direitos, sobretudo no que diz respeitos aos direitos políticos e sociais, conforme é apontado pelo autor, lembrando que a construção da cidadania está intimamente relacionada a forma como as pessoas se relacionam com o Estado e com a nação, sendo que o ideal para a cidadania é que exista uma relação positiva das pessoas com o Estado e a nação, pois as pessoas se tornam cidadãs, dentro da noção de cidadania como nós a conhecemos, à medida em que passam a se sentir parte de uma nação e de um Estado.
Sobre isso merece destaque outra observação feita por Carvalho (2002), que é a noção de que a identificação com a nação pode ser mais forte do que a lealdade ao Estado. Isso é visto claramente no filme na cena em que milhares de chilenos estão presos no Estádio Nacional vendo os militares agredindo alguns dos que contestam suas atitudes. Os chilenos presos, em certa altura, começam a cantar um hino que expressa a lealdade deles para com a nação chilena, em um momento no qual se veem numa situação em que o Estado se mostra como algo completamente estranho à ideia de nação. Essa situação, segundo Carvalho, se explicaria pelo fato de que a identidade com a nação, se deve a fatores como religião, língua e lutas e guerras contra inimigos comuns, enquanto que a lealdade ao Estado dependeria do grau de participação na vida política, participação esta que já se via completamente impossibilitada para o povo chileno no dia 11 de setembro de 1973.
Da constatação de que não haviam mais direitos políticos para os chilenos, chegamos a outro problema: conforme Carvalho (2002), se não tem direitos políticos, não existem direitos civis, os quais englobam as liberdades individuais como a liberdade de opinião e organização, e sobretudo o direito à vida. Isso quer dizer que a conquista de melhorias significativas em prol da construção da democracia pela qual o Chile vinha passando, foi seguida por uma supressão de direitos e garantias, um imenso retrocesso no que diz respeito a cidadania do povo chileno, visto que os 3 tipos de direitos necessários para a cidadania se encontravam profundamente comprometidos.
Para além dessas observações, percebe-se claramente um total desrespeito aos direitos humanos, pois, conforme o observado por Benevides (2015), ainda que as pessoas de um país não tenham seus direitos de cidadania respeitados, visto que a cidadania trata dos direitos e deveres que se circunscrevem nos limites de um Estado-nação, elas ainda possuem direitos humanos fundamentais, pois estes são universais e naturais, ou seja, não dependem da realidade específica de um país, e com isso, portanto, se estendem a todos os seres humanos. Isso se dá porque os direitos humanos se referem à pessoa humana independentemente das características físicas, culturais, da classe social, da nacionalidade, dos direitos de cidadania contemplados no país em que cada um vive, e até mesmo da personalidade que cada ser humano possa ter. Logo, em vista desses direitos fundamentais, nenhum ser humano pode ser torturado, humilhado cruelmente ou ter sua vida tirada por outros, pois o núcleo dos direitos humanos é o direito à vida. Além disso, também é direito fundamental de todo ser humano o de ser julgado imparcialmente e poder defender-se judicialmente. Nota-se que todos esses direitos estavam severamente desrespeitados no golpe, visto que os militares julgavam arbitrariamente aqueles que os contestavam e com um total desrespeito à vida dessas pessoas. Benevides (2015) ainda nos leva a refletir sobre o fato de que havia o consentimento dos países vizinhos ao Chile, dos quais muitos já se encontravam em ditaduras, e dos norte-americanos, com as violações aos direitos fundamentais cometidos no Chile, sendo que o que deveria se esperar desses Estados na verdade é que eles interferissem no Chile em prol  do respeito aos direitos humanos, pois, dado que os direitos humanos são universais e naturais, eles superam as  fronteiras jurídicas e a soberania dos Estados, e, no entanto, o que se observava no Chile eram que os interesses, sobretudo econômicos e políticos, estavam colocados acima do respeito aos direitos humanos.
Também vale mencionar o que diz Ruiz (2009), o qual aponta que apesar de ser difícil falar acerca do horror e sofrimento gerados pelos períodos de repressão ocorridos na história humana, notadamente no século XX, é imprescindível que eles sejam narrados pelas testemunhas, por mais que a narração delas tenha um viés pessoal e não consiga passar integralmente toda a barbárie que elas testemunharam. Esse processo de narrar os acontecimentos, quando aplicado ao caso específico do filme analisado, se mostra importante para permitir que as gerações chilenas tenham o direito à memória respeitado, isto é, o direito de saber o que aconteceu, e ao mesmo tempo o dever de memória, que é o dever de lembrar e passar adiante esses acontecimentos para que as próximas gerações também se indignem com as injustiças que foram cometidas e não permitam que as atrocidades ocorridas no período militar chileno sejam repetidas, pois aqueles que ouvem a narração, segundo Ruiz (2009), se convertem em testemunhas também. Esse resgate e disseminação da memória não significa que o passado será totalmente resolvido, mas permite tirá-lo da indiferença e do esquecimento ao atualizar as questões dele decorrentes, muitas das quais ainda apresentam seus desdobramentos nos dias atuais. Nas palavras do autor:
[...] É importante que os fatos sejam narrados pelas testemunhas, ainda que o testemunho nunca faça jus ao que aconteceu, pois é na precisão de vários acontecimentos que não foram contados e que se amontoam nas ruínas da história que se poderá sentir o sopro do que não tem expressão. [...] Assim, apesar da impossibilidade de narrar [os acontecimentos integralmente], o pior pesadelo para quem testemunha e vive o sofrimento é não poder contá-lo para ninguém, é correr o risco de que ninguém tome conhecimento do suplício sofrido e a injustiça se perpetue na ignorância e em um silêncio vazio, ausente de intérpretes que possam lhe dar sentido. (RUIZ, 2009, p.134)
Fazer com que as pessoas tomem conhecimento do que aconteceu no golpe de Estado de 1973 do Chile parece ser exatamente o que o diretor Helvio Soto procura ao produzir o filme, pois notadamente a película traz muito da visão de Soto acerca do golpe e representa uma lembrança ainda muito viva na mente do diretor, dado que ele foi exilado por conta do golpe e produziu o filme pouquíssimo tempo depois do mesmo.  Desse modo, fica evidente que o filme também apresenta um forte caráter de documentário, pois foca muito mais em retratar fatos que realmente ocorreram, ainda que pelo viés da visão de Helvio Soto, do que em contar uma história fictícia. Neste sentido o recurso cinematográfico se mostra de grande relevância, pois de acordo com o próprio Ruiz (2009), “[...] o essencial do sofrimento não pode ser falado, pois é feito de silêncios” (p.139), de modo que aquele que assiste consegue captar com maior realismo a situação que se apresentava ao povo chileno, mas nunca, é claro, integralmente como aqueles que viveram e tiveram a experiência.
Helvio Soto seria, desse modo, conforme a interpretação de Ruiz (2009) uma testemunha, pois ele recupera uma parte da realidade da História chilena que poderia ficar perdida no passado se ninguém fizesse nada. A fala de uma das personagens ao final do filme, na cena do velório do poeta chileno Pablo Neruda, evidencia a intenção do diretor ao produzir o filme: “ninguém pode testemunhar sem memória”, o que torna claro que ele tinha a intenção de manter um dos episódios mais marcantes da História chilena vivo e eternizado na memória do seu povo, permitindo que as novas gerações conheçam seu passado. Ao mesmo tempo, também se nota o propósito de, de algum modo, tentar resgatar a dignidade humana dos que foram excluídos e vencidos, e fazer justiça àqueles que foram vítimas do golpe, e também àqueles que ainda seriam vítimas da ditadura, dado que, ao final do filme, ela, que se tornaria uma das mais violentas ditaduras latino-americanas, ainda estava apenas começando.

Análise de elementos cinematográficos e iconografia

Iluminação
O filme emula a iluminação ambiente, sendo que a utilização de iluminação artificial serve para realçar a iluminação natural, tentando trazer um caráter documental ao filme, se utilizando da iluminação disponível, e assim, trazendo uma maior realidade ao mesmo. Este tipo de iluminação perdura por toda a película.

Sonografia
O filme tem sua trilha sonora assinada por Astor Piazzolla, que basicamente pode ser dividida em dois momentos distintos, no que se refere a linha de temporalidade que vai de 1970 até 1973, a trilha sonora aparece em meio as reuniões daqueles que apoiavam Allende, e permeia os discursos dos mesmos, reforçando o tom de esperança que eles possuíam. Já em um segundo momento, quando Allende é morto no dia do golpe, a trilha sonora assume um tom de tristeza, reforçando o caráter dramático que o final do filme tenta passar ao público.
Logo, torna-se claro no filme, que as músicas estão associadas a reuniões de pessoas, seja em momentos de contentamento ou não. Percebe-se que por vezes temos a figura dos cantores, e não somente a sua voz. Isso reforça que o sentimento anunciado na música é mesmo que reside nos cantores e demais personagens presentes. Um exemplo disto é o coro daqueles que afirmam que Neruda, Allende e o povo chileno estarão presentes agora e sempre, acompanhado pela música de Piazzola, na cena do enterro de Neruda. Assim vemos a unidade encontrada no povo, os personagens mostram que, apesar de tudo que aconteceu, o povo Chileno iria continuar na luta pela liberdade com determinação e vontade.
Pode-se ouvir, em algumas cenas, o tic-tac do relógio que permeia o som de fundo, mostrando que o tempo está passando. Isso ocorre principalmente nas cenas em que algum personagem precisa tomar decisões, e também deixam claro que o golpe se aproxima, atribuindo caráter de urgência.

Enredo
             A história é contada em terceira pessoa e através da câmera (um observador ideal) o espectador vê as ações que estão ocorrendo em lugares e temporalidades distintos. O filme, amparado por este recurso, conta com duas linhas de temporalidade que se intercalam no desenvolvimento da história, uma delas trata dos acontecimentos do dia 11 de setembro de 1973, o dia do golpe, e a outra trata do momento em que Allende vence as eleições em 1970, até o dia em que o golpe é realizado, mostrando a arquitetação do golpe, com os boicotes econômicos e manobras políticas que levaram a tal acontecimento. Existe uma preocupação clara em fazer com que o espectador consiga entender sem dificuldade o momento em que fatos estão ocorrendo e ao mesmo tempo mantendo uma certa ordem cronológica entre os acontecimentos, para tanto é utilizado o um recurso de movimento de câmera, o enquadramento, que focaliza relógios e calendários. Estes indicam os horários do dia do golpe, temporalizam a ação e informam o espectador.
Cortes de Cenas
Os cortes de cena procuram conectar situações, como no caso do final de uma cena em que um personagem começa a fechar uma gaveta, e imediatamente, antes dele terminar de fechar a gaveta, dá-se início uma nova cena com um personagem terminando de fechar uma gaveta em outro lugar ou a cena em que um senhor escuta uma rádio e arruma a sintonia do rádio em seu carro, e imediatamente, antes que ele termine de fazer isso, uma nova cena, com uma mulher arrumando o rádio em casa, dá continuidade a trama. Em geral, as cenas deste filme são articuladas de modo a mostrar uma relação entre os acontecimentos mostrados.

Movimentos de Câmera
A obra utiliza em uma das primeiras cenas do recurso do movimento dentro do quadro, os objetos de cena que são os carros de guerra são filmados de frente enquanto se movimentam e enchem a tela. Isso resulta na impressão de eles iriam passar por cima do espectador e de tudo que a ele se opusesse, preenchendo a tela.
Por vezes a câmera se desloca lateralmente num movimento panorâmico à procura do personagem. O diretor usou desta estratégia para informar e enfatizar a ideologia do personagem retratado, mostrando por diversas vezes, neste movimento, fotografias de Allende, Che Guevara, Karl Marx, e demais líderes da esquerda. No entanto, há uma curiosa cena em que a câmera percorre uma parede com fotos eróticas sugerindo um vazio ideológico dos personagens (empresários do Chile). O movimento de câmera evidencia e contextualização a ação, como fez ao mostrar o símbolo ITT (empresa de telefonia norte-americana que liderou um grupo empresarial na busca pela desestabilização econômica do Chile).
Percebe-se também que a câmera focaliza janelas no decorrer do filme, mostrando civis observando através delas, denotando uma situação de falta de liberdade de expressão e opinião, visto que os personagens parecem apreensivos.

Iconografia
O poético título parece tentar esconder as tensões da guerra. Isso vai de encontro com a fachada de normalidade característica da ditadura, ao mesmo tempo em que denuncia o autor do golpe, pois apesar de não ser explicitado no filme, este era o nome da operação arquitetada pelas forças reacionárias do Chile que culminou com o golpe de Estado de 1973.
O filme faz questão de retratar o presidente Salvador Allende real. Para tanto, é usado fotografias e até mesmo uma película com depoimento do presidente discursando em seu idioma, o espanhol. Isso reforça ideia do filme em manter-se próximo a esfera do real, inserindo sempre que possível, elementos desta esfera mesmo sob condição de interrupção da sua linearidade, ou seja, de um filme produzido em língua francesa permite-se inserir a língua originaria do personagem. Ainda nessa linha de tentar manter a imagem real de Allende, nota-se que o ator que o interpreta nunca tem seu rosto completamente mostrado, o que também indica o propósito de preservar a imagem real do presidente, visto que os acontecimentos ainda eram muito recentes e também demonstra o intuito do diretor de retratar o presidente como um misto de mártir e herói se tratando da história chilena. A cena da invasão do Palácio de La Moneda, que mostra o assassinato é de suma importância, por refutar a ideia de suicídio transmitida como causa morte do então presidente.
O filme retrata de forma simbólica e sutil o ganho e perda de direitos. Em 1971 durante a celebração da conquista da oferta de leite às crianças, o ministro das finanças dá uma vaquinha (bibelô) para ela em garantia do seu direito ao leite.  Em 1973 o pai, que é presidente da fábrica, tira o bibelô da criança simbolizando que esta não terá mais direito ao leite devido ao golpe que está prestes a se consumar. A criança quando perde seus direitos, simbolizados pelo objeto se entristece. E por fim, percebe-se que de 1971 a 1973 as reuniões da esquerda ocupam lugares menores, isso denuncia declínio da esquerda, frente a ascensão da direita.

Referências
BENEVIDES, M. V. “Cidadania e Direitos Humanos”. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, 2015.
CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
RUIZ, C. B. Justiça e Memória: para uma crítica ética da violência. São Leopoldo: Unisinos: 2009.

CHOVE sobre Santiago. Direção: Hélvio Soto. Produção: Film Marquise - França; Studios de Long Metrage - Bulgária, 1975. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=gi4KFRCBDkM>. Acesso em 30/11/2015.

ANÁLISE FÍLMICA: “PRA FRENTE, BRASIL (Brasil: dir. Roberto Farias, 1982)




ENREDO
No filme, Jofre (Reginaldo Faria), ao dividir um táxi com um militante de esquerda, é tido como "subversivo" pelos órgãos de repressão. É preso e submetido a inúmeras sessões de tortura, por torturadores operantes à margem do Estado, financiados por um grupo de empresários inescrupulosos. 
Miguel (Antônio Fagundes) e Marta (Natalia do Valle) tentam encontrá-lo através dos meios legais, mas se deparam com a relutância da polícia em investigar o desaparecimento. Com o telefone grampeado, Miguel recebe Mariana (Elizabeth Savalla) em casa, ferida após um fracassado assalto a banco. É quando ele fica sabendo da atuação de um grupo de repressão política patrocinado por empresários; as investigações de Miguel prosseguem e levam ao grupo de empresários em que atua seu próprio patrão.



Figure 1. Comemoração do Pelé após gol realizado na Copa do Mundo de 1970

ANÁLISE FÍLMICA
“Pra frente, Brasil” foi interditado pela censura sob a alínea D do artigo 41 da Lei 20.943, de 1946, que previa "interdição quando a obra for capaz de provocar incitamento contra o regime vigente, a ordem pública, as autoridades e seus agentes". A exibição foi liberada por instância superior e sem cortes, estreando em 1983; foi uma das primeiras películas a retratar a repressão da ditadura militar brasileira (1964–1985) de forma aberta. É um filme simples e direto, que chama atenção para as torturas nos “anos de chumbo", mostra que o despertar para os acontecimentos pode acontecer repeninamente. Assemelha-se a um documentário, um lembrete de que não podemos esquecer a ditadura.
O filme aborda justamente os sequestros efetuados pelo governo para exterminar possíveis movimentos subversivos e/ou comunistas. Já na primeira cena temos violência imposta por um grupo de torturadores; também é possível notar a falta de envolvimento político dos personagens.
Em 1970, na época dos anos de chumbo e do dito "milagre econômico", o Brasil vibra com a Seleção Brasileira de Futebol na Copa do Mundo e, enquanto isso, prisioneiros políticos são torturados por agentes da repressão oficial, fazendo pessoas inocentes de vítima também. O futebol aparece em Pra frente Brasil como um elemento importante,  tanto que o início de um novo interrogatório a Jofre é interrompido por causa de uma partida: o Brasil vai jogar e, qualquer tarefa, mesmo de grande relevância, pode esperar os noventa minutos de um jogo que simboliza o sucesso da pátria verde e amarela. A Copa paralisa atividades para que o brasileiro se veja como um vencedor após os 90 minutos.
Dentro de um cenário de repressões, censuras e controle das mídias, pouco se sabia sobre as torturas realizadas com o comando do militarismo. Os “anos de chumbo” ganhavam uma cortina blindada através da publicidade enganosa de crescimento econômico e país de sucesso criada pelo governo. Imagem que era atrelada à seleção brasileira de futebol, que vivia sua grande fase com a chance do tricampeonato; o slogan “Brasil: ame-o ou deixe-o”, exemplificava isso.


Figure 2. Cena de tortura conhecida como "Cadeira Elétrica" durante a Ditatura Militar

ILUMINAÇÃO
No filme, temos:
- cenas escuras: quando o Jofre é torturado, iluminação escura para ressaltar a dramaticidade.
- geralmente as cenas externas são à luz do dia.
- luz clara: ressaltando a felicidade, como por exemplo na cena final em que o Brasil é campeão.

SONOGRAFIA
A sonografia do filme é instrumental, com as seguintes sensações:
- romantismo: quando Miguel e Mariana se reencontram e ela pergunta se pode ficar em sua casa.
- esperança: quando Marta vê que os filhos estão bem, mesmo  sabendo que a polícia foi à casa dela; quando Jofre pensa que escapou dos torturadores.
- suspense: quando Mariana e um companheiro, após uma tentativa de sequestro frustrado em que ela foi baleada, veem um corpo e depois se encaminham à casa do Miguel.
- ação: cenas de tiroteio.
- desolação: no final, quando Mariana morre temos uma música de tristeza; o interessante, é o contraste com a imagens da seleção ao conseguir o tricampeonato.


Figure 3. Discussão entre Miguel e Marta.

CORTES DE CENAS
No começo do filme, temos um travelling, com câmeras fazendo imagem panorâmica no intuito de mostrar a paisagem.
É usado o close, como por exemplo quando os personagens estão vendo o jogo do Brasil: isso mostra a emoção que eles estão sentindo.
O corte meio plano americano, no qual o enquadramento é feito da cintura para cima, presentes em cenas de diálogo.
Em cenas de violência o corte é abrupto, para demostrar quanto a própria cena é violenta.
A maioria das cenas tem o ritmo rápido, com diálogos mais curtos: isso é interessante para contar várias pontos de vista e em cenas de ação.

AUTORES RELACIONADOS
É difícil esperar que existam direitos para os cidadãos durante uma ditadura, muito mais difícil acreditar que seus direitos humanos sejam respeitados. Sem que haja democracia, está implícito que não existe cidadania, justiça, respeito aos direitos humanos e, consequentemente, a paz. Esses conceitos permanecem interligados e interdependentes (BENEVIDES, Maria).
No filme vemos retratados todos esses aspectos: ausência de democracia, de respeito aos direitos humanos - a Jofre e comunistas da época -, de justiça - por não considerarem criminosos os torturadores - e, finalmente, da paz. O desrespeito aos Direitos Humanos durante os "anos de chumbo" trouxeram consequências fatais a milhares de pessoas inocentes e àqueles ligados a vida política da época; essa dívida não foi sanada até os dias atuais, agravando o cenário para os defensores de DH, invisibilizando todo o trabalho de garantir direitos fundamentais, como a vida, à presos políticos da ditadura e o direito a julgamento (justiça) até mesmo daquela classe média que usou de tortura durante a ditadura. ae sendo retratados como defensores de presos comuns. E o fim das necessidades dessa mesma classe média acabaram por deturpar, na mídia, a motivação dos defensores de DH.
Segundo Solon, a questão dos direitos humanos é ligada à memória. As pessoas que foram torturadas e desapareceram, tem esse direito violado. Nosso período de sombras foi a ditadura. No filme “Pra frente, Brasil, o contexto geral para população não era tratar a ditadura como algo ruim e repressivo, na verdade o clima era de festejo. Devido ao “Milagre Brasileiro” e à propaganda oficial, a maior parte acreditava em bons indicadores econômicos (inflação e desemprego baixos, crescimento econômico). A falta de um direito afeta todos os outros. No período em que se passa o filme, tínhamos censura e falta de liberdade, e mesmo que todos os outros direitos fossem atendidos, a falta de um significa a não-cidadania.


Figure 4. Cena de tiroteio ao ar livre. Repressão na Ditadura Militar.



BIBLIOGRAFIA
BENEVIDES, Maria. “Cidadania e Direitos Humanos”,
VIOLA, Solon Eduardo Annes. “Entre silêncios e esquecimentos: a supressão do Estado de Direito durante o regime militar”
https://pt.wikipedia.org/wiki/Pra_frente,_Brasil

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

O que é cidadania, direitos e desigualdades?

Segundo Maria Benevides, a cidadania está atrelada a noção de direitos e deveres previstos em um corpo jurídico-político (a constituição), que define quem pode ser considerado cidadão, quais os direitos e deveres do mesmo, quais direitos civis, políticos e sociais são assegurados e etc. Desse modo, a noção de cidadania está atrelada a um corpo político, pode mudar ao longo do tempo e varia de país para país. Crianças e deficientes mentais geralmente não são considerados cidadãos por não estarem aptos a exercer sua cidadania.
Já igualdade é um conceito bastante amplo, mas de forma geral é a busca de criar um tratamento isonômico entre todos os cidadãos, levando em consideração suas diferenças, com o intuito de dar um tratamento especial aos menos privilegiados e oprimidos e criar uma sociedade mais equânime. Ademais, o conceito é multidimensional e pode ser usado para se referir a igualdade formal, a igualdade social, política, econômica e etc.
Nesse contexto, em detrimento da igualdade existe o seu contrário – a desigualdade. Ela está atrelada a noção de que as diferenças de ordem sensível (física, gênero, cor e etc.) geram relações de poder que não são isonômicas, equânimes e justas, graças ao tratamento não igualitário e inadequado dado aos diferentes. Criam-se, então, abismos que devem se corrigidos pela busca da igualdade.
Por fim, o conceito de diferença está relacionado a pluralidade de formas sensíveis, as distinções de cor, raça, etnia, físicas, gênero e etc. que não necessariamente geram desigualdades. Desse modo, deve-se levar em conta que a desigualdade e diferença são conceitos distintos e que não devem ser confundidos.
Bruno Martins 
Estudante de Bacharelado em Ciências e Humanidades da UFABC



O conceito de cidadania durante o Período Colonial Brasileiro e a Ditadura Militar

No período colonial, segundo José Murilo de Carvalho, a cidadania era praticamente inexistente. Os direitos políticos eram muito reduzidos, o voto era censitário, os analfabetos (90% da população) não podiam votar, os direitos civis não eram assegurados, não havia consciência cidadã, o acesso a educação era extremamente limitado e não existiam direitos sociais.
Além disso, os escravos eram tratados como objetos e mercadorias e não possuíam nenhum tipo de direito, as mulheres eram excluídas do processo político e até mesmo os indivíduos das classes privilegiadas não podiam ser considerados cidadãos, uma vez que não havia divisão entre o setor público e privado, não havia igualdade formal perante a lei e estado de direito consolidado, os direitos civis não eram assegurados e a justiça era ao mesmo tempo pública e privada.
Desse modo, nesse período não se construiu uma noção de cidadania e a extrema desigualdade social aliada a uma grande concentração de poder e a presença de instituições políticas e econômicas (escravismo e latifúndio monocultor) exclusivas, extrativas e antidemocráticas praticamente eliminaram qualquer possibilidade de formação de um Estado liberal democrático que assegurasse o direito à cidadania.
Já no período da ditadura militar há um retrocesso na questão da cidadania em relação aos governos anteriores. Através doas atos institucionais, explicados no material audiovisual sobre o tema, os direitos vivis e políticos chegam ao ponto de serem totalmente cassados através do AI-5, há um grande desrespeitos aos direitos humanos, direitos civis básicos como respeito à integridade física e habeas corpus são totalmente desrespeitados e surge uma cultura patrocinada pelo governo militar de associação entre direitos humanos e direitos de “bandido”, segundo Maria Benevides.
Entretanto, nesse cenário assombroso, os direitos sociais são ampliados como forma de dar legitimidade ao regime. São criados os fundos rurais, os trabalhadores do campo ganham uma série de benefícios e é criado o INSS (instituto nacional de previdência social).
Dessa forma, pode-se dizer que tais períodos prejudicaram muito à formação de uma cidadania ativa, completa e multidimensional, a formação de uma luta pelos cidadãos e de uma consciência e educação sobre a questão da cidadania. Ademais, deixaram vestígios até os dias atuais através da propagação de uma cultura popular deslegitimadora da cidadania ativa completa.
Bruno Martins 
Estudante de Bacharelado em Ciências e Humanidades da UFABC